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Excluídos e invisíveis




A pandemia do Covid-19 acaba de escancarar um quadro preocupante. Milhões de pessoas

no Brasil, além de excluídos, são invisíveis. Embora números e dados apontassem

vagamente para esse cenário subterrâneo e periférico, ele parecia longe de nossos olhos. E

portanto, longe do coração. Agora, com a novela dos R$ 600 para os setores da população

em condições mais precárias, emergem os que no dia-a-dia, em lugar de morar, se

escondem. O chamado “auxílio emergencial” escancarou essa realidade, ao mesmo tempo

oculta, mas sob o nariz de todos. Nos porões e grotões da sociedade multidões de cidadãos

não vive, apenas sobrevive. Ou melhor, vive a pulso.


Cidadãos? Esse é o problema! Do ponto de vista dos serviços públicos, e em particular da

saúde, formam uma espécie de “cidadãos de segunda categoria”. Excluídos ou incluídos

“perversamente”, como preferem alguns estudiosos. Seu CPF, carteira de identidade e título

de eleitor (quando existem) trazem o estigma perverso do “sem”. Sem terra, sem teto, sem

trabalho, sem documentos, sem nome, sem rosto, sem endereço fixo, sem perspectiva de

futuro!... Denominados em termos negativos pelo que não são ou não têm. O mais grave é

que, em termos de quantidade eles se contam às dezenas de milhões e, em termos de

qualidade, são aqueles que o Papa Francisco tem denunciado como “descartáveis”!

A pandemia, apesar de seu rastro espectral de doentes e mortos, trouxe à tona essa imensa

multidão de excluídos e invisíveis. Por todo o país, reuniu-os em frente às agências da

Caixa Econômica Federal, não sem a humilhação de longas filas e longas horas de espera.

A crise do flagelo mundial, trazendo-os à rua e à vista dos microfones, câmeras e holofotes,

contribuiu para torná-los visíveis. Em tempos de vírus e de máscaras, a pandemia ajudou a

desmascarar a hipocrisia e a falsidade das democracias ocidentais.


Tropeçamos aqui com a função do Grito dos Excluídos! Não apenas dar voz e vez aos

gemidos sussurrados e escondidos no escuro de tantas noites insones, mas também tornar

visíveis os milhões de trabalhadores e trabalhadoras, migrantes e refugiados, mulheres e

crianças que os países tendem a jogar para debaixo do tapete, como se fosse “lixo

descartável”. Mas isso não basta. Além de fazê-los desfilar pelas ruas e praças, é preciso

criar canais, ferramentas e mecanismos de conscientização, organização e mobilização.

Espaços e instrumentos onde os excluídos e invisíveis sejam protagonistas ativos e, então

sim, verdadeiros cidadãos.


Mas pandemia e quarentena nos trazem juntas outra luz. Ajuda-nos a distinguir o que é

essencial e inegociável daquilo que é supérfluo e secundário. Isso significa priorizar

relações justas e igualitárias, seja entre nós, seja com outras forças vivas, seja com a

natureza. Vários gestos de solidariedade, durante o isolamento social, apontam na direção

de novos rumos e novas alternativas para o sistema de produção e consumo. Em vez de

crescimento, lucro e acumulação do capital, a primazia socioeconômica e político-cultural

deve recair sobre uma equânime distribuição do fruto do trabalho de todos.


Fechadas as portas de casa devido do confinamento, aprendemos a nos comunicar pela

janela e pela tela, seja esta última da televisão, do computador ou do celular. Também neste

caso, abrem-se alternativas. Podemos usar as redes sociais não apenas para o ódio e a

polarização agressiva, mas para o encontro, o diálogo, a solidariedade e a luta pela justiça.

A paz é fruto das oportunidades de trabalho e da redistribuição de renda. Não há paz sem a

garantia de uma dignidade assegurada. O que, por sua vez, chama à luta e à defesa dos

direitos humanos em todos os setores da sociedade.


Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs

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