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Dom Mário: carta em defesa do Yanomami



Dom Mário Antônio da Silva, administrador diocesano de Roraima, nomeado Arcebispo de Cuiabá, durante a missa do seu envio, realizada no último dia 23/04, denunciou a omissão e a responsabilidade do Governo Federal "que ao invés de cumprir seu papel constitucional na defesa dos povos indígenas e de suas terras, patrimônio da União, incentiva as invasões e coloca na pauta do Congresso Nacional o projeto de lei, que legaliza a mineração em terras indígenas." Uma ameaça declarada à existência dos povos indígenas Yanomami.


A profética Carta Aberta de Dom Mário convida cristãos para se unirem na defesa e garantia da vida e do território do povo Yanomami, estabelecidos na Constituição Federal, e conclama para que todos se unam na luta pela proteção dos povos indígenas, na promoção da justiça e para que não compactuem com o projeto que autoriza a mineração nas terras indígenas.

Dom Mário convidou ainda todos a assumirem o compromisso de defesa e do cuidado da Casa Comum, "pois já sentimos os efeitos devastadores do garimpo, com o envenenamento de nossos rios", assegurou.


CONFIRA A CARTA NA ÍNTEGRA:


Carta ao Povo de Deus e aos Homens e Mulheres de Boa Vontade.


Boa Vista, 23 de abril, 2022


“Eu vim para que todos tenham vida”, disse Jesus (Jo 10, 10).

Irmãos e irmãs,


Com os primeiros contatos que os missionários da Igreja Católica em Roraima tiveram com os povos indígenas a defesa da vida, de suas culturas e de suas terras entrou no caminho da Evangelização. Desde os monges beneditinos e os missionários e missionárias da Consolata, a causa da vida dos povos indígenas foi assumida como anúncio da dignidade humana e, por vezes, com denúncia daquilo que negava o Evangelho e os direitos humanos. Seguindo Jesus Cristo continuamos a afirmar a vida em abundância para todos. “Passar de condições menos humanas para condições mais humanas” é Evangelizar, nos lembrava São Paulo VI.


Na década 1950 os missionários da Consolata vão ao encontro do povo Yanomami que por sua abertura, os acolhem e passam a morar com eles, em 1965 fundam a Missão Catrimani, tão conhecida entre nós.


Na década de 1970 os Yanomami começam a sofrer a invasão de seu território com a construção da perimetral norte. Nasce no coração dos missionários, organizações e tantos amigos e amigas o compromisso na luta pelo reconhecimento de suas terras. Era o caminho para a garantia da vida e da cultura Yanomami, como um bem para a humanidade.


Entre 1980-1990 o território Yanomami era invadido por aproximadamente 40 mil garimpeiros durante a primeira corrida do ouro em Roraima. Quem de nós não conheceu a aflição desse povo que chegou à beira de um genocídio? Tantas campanhas como: o “SOS Yanomami” e “Yanomami Urgente” e outras mais, que ultrapassaram as fronteiras tornando os Yanomami conhecidos pelo mundo afora e gerando uma rede de solidariedade e de luta para que a terra e a vida desse povo fossem protegidas.


Não é possível esquecer o massacre de Haximu, caracterizado como o primeiro genocídio pela Justiça brasileira, em que vários indígenas foram dizimados num confronto cruel e desigual. Nasce no Brasil e no exterior uma ampla campanha em favor da demarcação da Terra Indígena Yanomami, homologada em 1992, exatamente há 30 anos.


Nos últimos 3 anos, o dragão devorador da mineração tomou força novamente e avança com toda ferocidade e poder das organizações criminosas sobre a Terra Yanomami. Quem de nós não têm acompanhado as impactantes notícias das agressões armadas às aldeias, as várias mortes causadas pelo garimpo, tais como a draga que sugou as duas crianças no rio Parima, em outubro do ano passado, e a violação de meninas e mulheres que são aliciadas em troca de comida pelos donos do garimpo?


A cada dia chegam notícias de toda forma de abusos contra os Yanomami. As imagens espalhadas no mundo das redes sociais e nas TVs são uma vergonha para nosso país e fazem o nosso coração sentir o sofrimento e a morte que os Yanomami e a natureza estão vivendo. Outra forma de violência não menos cruel, consiste na distribuição de armas e bebidas que provocam conflitos entre eles. Colocar irmãos contra irmãos é atualizar o pecado de Caim e Abel.


Denunciamos a omissão e a responsabilidade do Governo Federal, que ao invés de cumprir seu papel constitucional na defesa dos povos indígenas e de suas terras, patrimônio da União, incentiva as invasões e coloca na pauta do Congresso Nacional o projeto de lei, que legaliza a mineração em terras indígenas. Tal proposta não passa de uma ilusão enganadora de supostos benefícios. Sofrem os povos indígenas, a natureza, os ribeirinhos e as cidades com os rios e os peixes envenenados pelo mercúrio, e sofrem também as pessoas iludidas que buscam no garimpo um modo de escapar das duras condições de vida no Brasil, mas encontram servidão, violência, drogas e morte. Deus nos livre dessa maldição!


Convidamos os cristãos e todos os irmãos e as irmãs de boa vontade, à luz da Páscoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, a vitória da vida sobre a morte:

- a se unirem na defesa e na garantia da vida e do território do povo Yanomami, estabelecidos na Constituição Federal;

- a promover a Justiça e não compactuar com o projeto de morte que autoriza a mineração nas terras indígenas;

- a assumir o compromisso de defesa e do cuidado para com a Casa Comum, pois já sentimos os efeitos devastadores do garimpo, com o envenenamento de nossos rios Mucajaí, Uraricoera... que já nos atingem.


Dom Aldo Mongiano, dizia na década de 1980 - 1990: “o bem de alguns não pode causar a morte de outros” e escrevia em nome de todos os cristãos: “é um privilégio ter os Yanomami na sociedade de Roraima.” Assim, irmãos e irmãs, que Deus nos socorra nesta hora de construção da paz, do bem viver e da esperança da terra sem males que vem a cada manhã!


Dom Mário Antonio da Silva

Bispo de Roraima



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