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“DIALOGANDO” teve participação de todo o Brasil




Como parte das atividades em preparação ao 29º Grito dos Excluídos e Excluídas, a Coordenação Nacional realizou o “Dialogando”, uma transmissão ao vivo, no dia 21/8, que reuniu participantes de dezesseis estados das cinco regiões do país.


Para refletir sobre o lema de 2023, “Você tem fome e sede de quê? ”, o evento contou com a contribuição de Dalila Alves Calisto, do MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens – mestra em Geografia, pela UNESP, e Vera Helena Lessa Vilela, nutricionista, educadora em saúde e mestra em Saúde Pública, pela USP, presidenta do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMUSAN-SP), representando o Sindicato de Nutricionistas do Estado de São Paulo.

A mediação ficou com Frei Zeca, articulador do Grito de Poconé, Mato Grosso e a colaboração de Yvie Favero, articuladora do Grito da Baixada Santista/SP, e com suporte técnico de Juce Rocha, do Jubileu Sul Brasil.


Na abertura, Frei Zeca destacou que o objetivo do Grito dos Excluídos e Excluídos, nos seus 29 anos de trajetória, é valorizar a vida e anunciar a esperança de um mundo melhor, por isso seu tema permanente “Vida em Primeiro Lugar! ”.


Ele ressaltou também a importância do Grito de incentivar ações que fortaleçam e mobilizem as pessoas, nos mais longínquos locais do Brasil, na luta por seus direitos, na denúncia das injustiças e violências, causadas pelo sistema neoliberal que exclui, degrada e mata. Ações que acontecem não só por ocasião do 7 de Setembro, mas durante todo o ano.


Em 2023, o Grito abre a possibilidade de refletirmos e buscarmos juntos e juntas alternativas para os enormes problemas que o povo enfrenta, a partir de uma pergunta: “Você tem fome e sede de quê? ”.


“Água, direito humano, patrimônio do povo”


Dalila Alves Calisto lembrou que o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) faz parte da articulação e construção coletiva do Grito há vários anos. Para ela, o Grito é um momento que marca a vida de trabalhadores e trabalhadoras e militantes, a luta e a resistência no processo de organização da esquerda e dos lutadores e lutadoras e dos defensores dos direitos humanos no Brasil”.

Como assegurou Dalila, para o MAB, a água é um direito humano, um bem comum e um Patrimônio da Humanidade, que deve estar sob o controle popular e não das grandes empresas multinacionais.


No entanto, o acesso a esse direito tem sido de maneira desigual ao longo da história. O Brasil possui a maior reserva potável de água doce do mundo, cerca de 13% está concentrado aqui, mas pelo menos 35 milhões de pessoas seguem excluídas do acesso regular de abastecimento de água e outros serviços. Então isso é uma das questões centrais.


A outra questão, segundo Dalila, é que as empresas transnacionais, os bancos privados, principalmente o Itaú e o Bradesco, o Banco Mundial, o banco da Suíça BTG Pactual e os fundos de investimentos, sobretudo estrangeiros, estão numa corrida para privatizar os serviços de água e saneamento e as reservas potáveis, incluindo bacias hidrográficas dos rios e aquíferos situados no Brasil.


Recursos que são essenciais para manutenção da vida humana e da reprodução da existência, assim como para todas as atividades laborais produtivas, até mesmo as domésticas. Praticamente, todas as atividades humanas dependem do uso da água, inclusive as industriais para a produção de mercadorias.


Essas empresas foram percebendo que como a água é um recurso fundamental e sem ela não existe vida, se transformada em negócio, a partir de uma lógica de um sistema tarifado, por exemplo, é um recurso a ser explorado.


Para Dalila, essa denúncia e a luta para combater o processo de privatização da água precisamos engrossar cada vez mais. “Precisamos fortalecer a luta em defesa da água, dos rios e dos aquíferos, em defesa dos serviços de saneamento básico no nosso país. Para que continuem sendo geridos pelas empresas públicas, pelas companhias de saneamento que nós temos espalhados em todos os estados brasileiros. ”


Nos últimos anos, temos visto essa ameaça se avolumar, principalmente com o golpe à democracia, em 2016, e como uma das primeiras iniciativas do governo interino de Michel Temer naquela época. No segundo semestre de 2016, foram feitos estudos para avançar em medidas legais com o objetivo de viabilizar a privatização do saneamento.


Nova lei desmantela setor público de saneamento


Mais tarde, em 2020, vimos ser aprovada pelo Congresso Nacional, no pior momento da pandemia da covid-19, em regime de urgência, sem qualquer debate com a sociedade, a lei nº14.026, que altera a lei existente da política pública de saneamento básico no Brasil.


Conhecida como o novo Marco Legal do Saneamento, a nova lei desmantela o setor político público e garante uma respiração da indústria, a partir dos interesses dos bancos privados, os fundos de investimentos e das empresas criadas para gerirem e controlar o setor de saneamento no Brasil e os demais serviços, assim como toda a reserva potável de água doce do país.


No combate ao avanço da privatização da água e do saneamento, o MAB se junta às lutas que vêm sendo desenvolvidas com os sindicatos, as organizações de igrejas, em vários territórios do país. O movimento defende que a água em seu todo – bacias hidrográficas, rios, aquíferos - continue sendo controlada pela gestão pública, assim como os serviços de saneamento.


O MAB entende que a nova lei só traz consequências negativas para a classe trabalhadora, porque prioriza os interesses privados.


Para se ter uma ideia, por exemplo, em seus principais artigos de mudança, a Lei 14.026 determina a proibição dos contratos de programa, que é a forma pela qual a política pública do saneamento no Brasil funciona para garantir que o órgão municipal, responsável pela prestação dos serviços, faça um contrato com a Companhia Estadual de saneamento. Além disso, obriga que em toda nova prestação de serviços haja abertura de licitações, onde empresas privadas da área poderão participar e concorrer igualmente com uma empresa pública.


Entre as modificações que a nova lei traz, tem também a questão da tarifa que vai determinar novos modelos de cobranças. Com a aplicação da lei dezenas de estados brasileiros, de capitais e cidades médias já estão sofrendo com o processo bem acelerado de privatização da água e saneamento. Em alguns casos as próprias empresas públicas estão correndo risco de ter os seus serviços privatizados, como a Sabesp, no Estado de São Paulo.



Privatização significa destruição e morte

A gente ouve isso com muita preocupação, alerta Dalila, porque já conhecemos experiências de privatização de diversos serviços e ramos da economia do Brasil. Desde a questão da mineração e o que significou a privatização da Vale do Rio Doce, com uma sequência de crimes socioambientais, causando a destruição de rios e de vidas humanas, da vegetação e de animais.


É um retrato do que representa a privatização. Exatamente o contrário da mensagem que anunciamos no Grito dos Excluídos e Excluídas. A lógica da privatização é colocar a vida e o lucro em primeiro lugar.


Se a gente observar em vários serviços que já passaram pela privatização, como o setor elétrico, por exemplo, vamos constatar as consequências trágicas para a vida das populações. Hoje, o Brasil tem a maior reserva potável de água, uma base natural hídrica vantajosa que permite com que a nossa a produção de energia elétrica seja a mais barata do mundo. No entanto, o povo paga uma das mais caras taxas.


Dalila lembra que em outros países onde serviços de saneamento e energia foram privatizados comprovou-se o fracasso e muitos estão voltando atrás e reestatizando.


Numa perspectiva geopolítica, afirma Dalila, a privatização de serviços que envolvem direitos básicos da população vai contra a soberania do país. As consequências em transformar direitos em mercadorias, seguindo a lógica do lucro, recaem diretamente sobre a classe trabalhadora e as localidades periféricas.


Ao privatizarem água e os serviços de saneamento, as empresas focam as regiões onde já existe uma infraestrutura montada e as que são mais rentáveis, em geral as capitais e médias cidades. Em detrimento das periferias, das cidades pequenas, das áreas rurais, que permanecem sobre a responsabilidade das empresas públicas, por falta de incentivos, em geral deficitárias.


Estudos apontam que dos 75 milhões de domicílios no Brasil hoje a metade é chefiada por mulheres. Então o tema do direito humano à água potável e do direito à alimentação têm muito a ver com as mulheres brasileiras que, muitas vezes, sustentam suas famílias com salários inferiores aos dos homens. Sobretudo as que moram em periferias e favelas, locais sem estrutura básica que atenda às necessidades da família. Que, em sua vida cotidiana, convivem com dilemas e preocupações para conseguir pagar as contas de água no final do mês, a conta de esgoto e a de luz e garantir comida na mesa. Porque muitas mulheres, muitas famílias se vêm nesse dilema de não saber se paga a conta de luz e a de água ou se coloca comida na mesa. Situação que se agravou no último período com o governo Bolsonaro com a carestia no preço dos alimentos, da luz, da gasolina dos combustíveis, do gás.


Grande parte do salário mínimo do trabalhador, da trabalhadora corresponde ao pagamento dessas contas, “então é preciso fortalecer a luta para baixar o preço da luz e contra também essa onda de privatizações no saneamento porque caso isso continue avançando haverá uma sobrecarga de tarifas. ” É muito importante que o Grito chame a atenção para essas questões – água e alimentação – na perspectiva de um projeto de soberania do país, que passa pela soberania alimentar e a defesa da água, concluiu.


PL do mercado da água e a soberania do país

Dalila alertou para o avanço na legislação no que se refere à mercantilização da água no Brasil, que se deu com o golpe à democracia. Exemplo disso é o projeto de Lei nº 495, de 2017, de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB, do Ceará), que introduz os mercados de água como instrumento para promover alocação mais eficiente dos recursos hídricos.


As empresas dependem do estado para poder avançar os seus planos e é o estado que vai dar a forma legal para os interesses do capital. Caso o PL 495 seja aprovado e vire lei é um grande risco à soberania do Brasil. A partir dessa lei as empresas privadas podem vir a ter o domínio e o controle pleno sobre as reservas potáveis de água do país. Eles querem criar/institucionalizar um mercado mundial de água onde as empresas vão poder negociar direitos de uso.

E as pessoas só vão poder acessar a água se tiverem outorga de uso sobre os rios, por exemplo, o que vai restringir o acesso dos agricultores ribeirinhos, para o seu plantio. Quem utilizar mais sofrerá multas de até 50 mil reais.


“Nós temos uma esperança de que nesse momento em que estamos vivendo da nossa história, com esse novo governo é uma oportunidade de a gente frear esse avanço e a tramitação dessa lei. Momento de somar forças para impedir que o PL venha ser colocado em votação E se vier que haja possibilidade de impedir esse plano do capital. ”



De quais fomes estamos falando?


Vera Helena Lessa Vilela destacou o processo de preparação da Conferência Nacional de Segurança Alimentar Nutricional, que será realizada de 11 a 14/12 desse ano, organizada pelo Consea – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nacional. Em todo o país, estão sendo feitas conferências em nível municipal, regional e estadual.


Em São Paulo, o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, do qual Vera Vilela é presidente, conta com a assessoria de pesquisadores e estudiosos para aprofundar os temas. Entre eles, o geógrafo José Raimundo Ribeiro Junior, que elaborou um documento orientador com os três pontos principais da conferência: a questão da fome, seus determinantes e as políticas de enfrentamento, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, como fortalecê-lo na implementação das políticas de garantia do direito à alimentação e nutrição adequadas e o papel da participação e controle social.


De quê fome estamos falando? Questiona Vera Vilela, ao discorrer sobre o lema do 29º Grito: “Você tem fome e sede de quê? ”.


Ela destaca que, em seu documento, o geógrafo José Raimundo Ribeiro Junior ressalta que a fome tem feito parte da estruturação da sociedade brasileira. Ela não é um fenômeno natural vinculado à questão da seca ou de outras questões. Ela faz parte da maneira como a nossa sociedade foi estruturada desde o período colonial, em todas as regiões do país, através de uma inclusão desigual dos diversos grupos sociais.


Também podemos falar daquela fome que é resultante do modelo econômico concentrador de renda e de riqueza e produtor da miséria e da desigualdade, ao longo desse tempo, nas formas de organização do trabalho, da distribuição da renda, do acesso ao trabalho, moradia, transporte, educação.


Ou da fome que resulta de um processo de urbanização extremamente acelerado no nosso país. Em mais ou menos 20 anos, temos uma mudança da forma de inserção populacional, de uma população rural para uma população urbana. Marcada também por uma forma de inclusão muito desigual, com a ocupação da terra para a produção de cana, de gado, de milho, de soja para exportação e não para a produção de alimentos, além do alto uso de agrotóxicos.


É importante destacar, lembra Vera, que esta forma de utilização da terra não acontece só no Brasil, mas na América Latina de maneira geral, assim como na África e nos países asiáticos, na Índia e na China. Há uma utilização da terra não para produção de alimentos, mas de um conjunto de produtos que são denominados commodities, que tem uma outra destinação no mercado, seja para a produção de ração para animais ou de alimentos ultra processados, grande parte dos alimentos produzidos nas indústrias tem como base milho e a soja transgênicos.


Outra fome, destaca Vera, é a que explora e contamina a água, que empobrece o solo por essa forma de utilização de monocultura e utilização ampla de fertilizantes e agrotóxicos. E que acaba empobrecendo e empurrando os agricultores familiares para cidades.


As formas da fome

Para definir a fome, Vera Vilela cita também Josué de Castro, médico, geógrafo e pesquisador sobre a questão, autor de “Geografia da Fome”, 1940. Para ele há duas formas de fome – a total e a oculta.


A primeira – total - são as formas mais graves da privação de alimentos, que leva à inanição e que significa uma falta completa de alimentos, levando ao emagrecimento acentuado e inclusive à morte.


A segunda – oculta – definição que foi o resultado dos estudos e da denúncia que Josué de Castro traz em seu livro. No Brasil, milhões de brasileiros, embora se alimentem todos os dias, vão lentamente morrendo pela falta de qualidade dos alimentos consumidos.


Segundo Vera, a definição de fome que embasa atualmente a maioria dos estudos no mundo e no país sobre a questão trabalharam uma percepção qualitativa de experiências de fome e que acabaram gerando escalas, divulgadas nas publicações da Rede de Pesquisadores Nacionais de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional - Rede Penssan - e também foi adotada pelo IBGE na última pesquisa.


De acordo com esses estudos, há duas formas de entender a questão da fome. A partir dessa percepção qualitativa, que é o risco de fome, que seria a insegurança alimentar leve. Ou seja, quando as famílias passam a ter um momento de preocupação e de ansiedade e até medo, causados pela perspectiva de não terem os alimentos ou formas para adquiri-los de forma suficiente. E isso acaba impactando já na qualidade e variedade da alimentação dessas famílias.


A segunda forma de entender a fome propriamente dita, enquanto insegurança alimentar moderada e grave, é o momento em que as pessoas passam a experimentar, contínua ou intermitentemente, sensações físicas e psíquicas causadas pela privação de alimentos. Essa privação pode ser mais ou menos severa, logo, a intensidade da fome é variável, podendo chegar nos casos mais graves ao estágio de inanição, que é a magreza extrema e a baixa estatura.


Quem começou esses estudos foram Radimer e Wehler (1980), duas pesquisadoras nortemericanas. E aí a gente passa a ter aqui no Brasil a aplicação da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar – EBIA, medida a partir de domicílios, acompanhamento da evolução da situação alimentar no país e o reconhecimento da complexa e desigual distribuição da fome no território brasileiro.


Políticas públicas e a fome


Para Vera Vilela, temos algumas políticas públicas para resolver o problema da fome, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar, que precisa ter o fortalecimento e aumento dos valores destinados, bem como um monitoramento adequado por parte do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação.


No município de São Paulo, adverte, tem uma questão da terceirização muito forte da alimentação escolar. Com isso, as crianças e jovens passam a não receber mais os alimentos comprados dos agricultores familiares porque os contratos não exigem isso. “Essa é uma situação séria e a gente tem que ter esse monitoramento adequado por parte do FNDE e a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos”.


Para o combate à fome, Vera aponta para além de políticas públicas emergenciais, citando a necessidade de mudanças no modelo agrícola, na agropecuária, que haja mais financiamento para a produção de alimentos. “Que haja controle da utilização de agrotóxicos na produção agrícola, que se tenha uma renda básica de cidadania como coloca o Suplicy. Qual é a maior causa da fome? ”, ela questiona. “É a questão da renda, da possibilidade do acesso à renda”.


“Essas são as grandes linhas, além da necessidade de se fazer a aproximação de produtores e consumidores para que o alimento que é produzido, sem veneno, chegue para todo mundo e não só para uma elite. E facilitar o insumo e a logística de comercialização dos produtos”.

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