Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Causa perplexidade saber que o Grito dos Excluídos traz incômodos e desconfortos para muitas pessoas, insensíveis ante a multidão de pobres e vulneráveis. Ao invés de cultivarem compaixão, reprovam o evento anual realizado no Dia da Pátria e dedicado aos excluídos. Agora, com os vergonhosos cenários de pobreza da sociedade brasileira se multiplicando, não há outro caminho: os gritos dos excluídos precisam ser ouvidos.
Não se trata de questão política, muito menos se relaciona com jogos de interesse de contextos ideológico-partidários, mas uma consideração humanitária diante dos que sofrem. O Brasil está emoldurado por cenários de fome e, por isso, torna-se urgente qualificar a escuta do coração e engajar-se nas ações que impulsionam mudanças, com velocidade ainda mais veloz, para vencer o sofrimento que vitima tantos pobres, mergulhados na insegurança alimentar, passando fome.
Muito já se falou sobre uma das cruéis consequências da pandemia da COVID-19: as desigualdades foram acentuadas, comprovando os retrocessos que, para serem superados, dependem da configuração de nova ordem social, inspirada por valores e princípios éticos alinhados com um humanismo integral.
Mas, tristemente, o que se verifica é uma perda grave desse sentido ético-moral, revelada nas irracionalidades para se alcançar enriquecimentos fáceis, nas manipulações interesseiras no campo legislativo, nas conivências que ferem direitos cidadãos. Dentre os direitos essenciais desrespeitados, desponta aquele que garante alimentação a cada pessoa. São necessárias ações governamentais e cidadãs para conter a avalanche destruidora da fome. Iniciativas emergenciais devem se intensificar, humanitariamente, para que sejam evitadas catástrofes irreversíveis, pois a fome mata. Nesse sentido, quem se alimenta com regularidade, sem nada faltar, precisa se recordar, a cada garfada, daqueles que são igualmente seres humanos, com os mesmos direitos, mas passam fome, perambulam pelas ruas, vivem debaixo de pontes e viadutos, dormem diante de casas onde nada falta.
A lembrança dos pobres não deve ser motivo de incômodo pela ocupação da via pública. Quando aqueles que sofrem são considerados uma presença indesejada, comprova-se a deterioração humanitária de uma sociedade. Espera-se uma postura bem diferente. Uma reação de todos para vencer a carência alimentar. Famílias inteiras estão em situação de extrema vulnerabilidade – as vítimas são especialmente crianças e idosos. Esse sofrimento é grito que precisa ser escutado, para que se configure nova sensibilidade social e sejam multiplicadas ações emergenciais, sustentadas pela solidariedade. Essa reação solidária, para resgatar as vítimas da fome, exige recomposição de políticas públicas nas esferas federal, estadual e municipal. Os gritos dos excluídos não podem mais esperar as considerações mesquinhas e pequenas hospedadas em disputas pelo poder.
Os governos têm problemas graves e urgentes para resolver, mas, acima de todos os desafios, está a responsabilidade de não permitir que a população passe fome. Essa responsabilidade exige o reconhecimento de que o dom da vida, bem maior de cada pessoa, não pode estar submetido à lógica do mercado. A lógica do dinheiro, na sua irracionalidade, é “surda” aos gritos dos excluídos. É preciso reagir ao processo de deterioração social que alcança vários âmbitos, com terríveis consequências, sendo a fome uma das mais graves. Essa reação inclui debelar o acelerado processo de desmonte dos direitos sociais e efetivar políticas públicas capazes de vencer o flagelo da fome, do desemprego, da falta de moradia digna, carências nos campos da saúde e da educação.
Os gritos dos excluídos conclamam os cidadãos ao exercício da solidariedade. Os governantes e líderes da sociedade, por obrigação, honestidade e, em nome de uma união nacional, devem lutar pela promoção da igualdade social, valendo-se, evidentemente, de legislações que primam pela transparência – sem aprovar qualquer tipo de “orçamento secreto”. A gravidade da situação de tantas pessoas que vivem na miséria desenha uma crise humanitária que se não for revertida desencadeará verdadeiro caos. O primeiro passo para superar a dor dos que padecem com a fome é a solidariedade – remédio para a cura de insensibilidades.
A sociedade brasileira, que já avançou em muitos aspectos, agora sofre com retrocessos e precisa de um novo rumo, com cidadãos reavaliando seus hábitos, no horizonte inquestionável da ecologia integral, que também precisa balizar esferas legislativas, para que sejam corrigidos descompassos e injustiças.
Nenhuma pessoa, diante do que está acontecendo, tem o direito de cultivar “ouvidos de mercador”. Agora é a hora de um novo entendimento cidadão e político, nos trilhos da solidariedade, que promove a justiça. Para isso, todos, indistintamente, assumam este compromisso: ouvir os gritos dos excluídos, sensibilizando-se, para qualificar a cidadania, fortalecer a solidariedade e cultivar coragem profética.
A caminho do Natal, os ouvidos do coração e da razão se exercitem e consigam escutar os gritos dos excluídos para que seja celebrado, com autenticidade – e não com hipocrisias -, o nascimento do Menino Jesus. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça os gritos dos excluídos.
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